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Autoestima e amor próprio: entre o olhar do outro e a construção de si

  • isadora delfino
  • 2 de fev.
  • 4 min de leitura

O que significa, de fato, ter autoestima, amar a si mesmo? Em tempos de discursos motivacionais rasos e soluções instantâneas, será que compreendemos a profundidade desse conceito? A autoestima pode ser entendida como uma percepção positiva do sujeito sobre si mesmo, conforme este se valoriza e percebe sua história com afeto e consideração. Amor próprio é sobre a capacidade que uma pessoa tem em avaliar seus próprios erros, acertos, capacidades e singularidades, com apreço, amor e respeito.


Atualmente, observa-se uma multiplicidade de discursos acerca do amor próprio como um objeto individual e autocentrado, como algo que só diz respeito ao sujeito e a mais ninguém. O risco dessa lógica está em reduzirmos nossa autoestima ao esforço do indivíduo consigo mesmo, aos produtos e serviços que este pode comprar e à aparência física. Tais discursos reforçam ideais individualistas e superficiais, indo de encontro ao interesse de diversas indústrias que lucram com nossas inseguranças, vendendo soluções simplistas e insuficientes para tentar das problemas complexos e profundos.


É importante pensarmos na autoestima como uma prática, uma ação, um processo, que é atravessado pela nossa relação com o outro, pelas experiências vividas e pelas estruturas sociais que moldam nossa percepção de valor, identidade e pertencimento. O amor próprio se faz em um processo vivo e compartilhado, que não se limita à individualidade de cada um e inclui a troca com o outro, bem como o contexto em que o sujeito se encontra e a posição que este assume no tecido social.


Em “Tudo sobre o amor” (2000), a escritora e ativista bell hooks entende o amor como um ato de resistência e liberdade em um mundo que tantas vezes nos ensina a duvidar de nossa própria dignidade e valor. Considerando os marcadores sociais de classe, raça e gênero, é possível entender as implicações dessas disparidades na subjetividade das pessoas. Para a autora, a percepção de cada um sobre si mesmo não é apenas um processo individual, uma vez que mobiliza o olhar e a troca com o outro, sendo assim, um movimento político e coletivo, que mobiliza uma rede de pessoas que se fortalecem entre si.


Jessica Benjamin, psicanalista relacional, contribui para essa discussão ao destacar que nossa identidade se constrói no entrelaçamento entre a autonomia individual e o reconhecimento pelo outro. Em sua obra “Laços de amor” (1988), ela enfatiza a importância da alteridade e do reconhecimento recíproco na formação da subjetividade, uma vez que, é por meio dessa troca que podemos afirmar, validar, considerar, conhecer, aceitar, compreender, sentir empatia, levar em conta, tolerar, apreciar, enxergar, identificar-se com, descobrir como algo familiar [...] amar” (Benjamin, 1988, p. 15-16). Sendo assim, entende-se que o amor próprio não é um ato isolado de empenho individual, mas um processo intersubjetivo, no qual nossa percepção sobre nós mesmos é influenciada pelas relações e pelo reconhecimento que recebemos do mundo ao nosso redor.


Nesse processo, é importante considerar como a construção individual é atravessada por determinações socioculturais influenciadas por estruturas de poder que organizam a vida em sociedade: a família, a escola, a cultura de um país, os valores inerentes a um determinado momento histórico, etc. Assim, entender o amor próprio perpassa analisar como fomos criados, os valores que absorvemos, os discursos que consumimos, as relações de poder que vivenciamos.


Diante desse dilema, como construir um amor próprio que não dependa exclusivamente da aprovação externa, ao mesmo tempo que não negue a importância do outro? Como conduzir um processo individual de afeto e confiança com atravessamentos sociais e coletivos? A clínica psicanalítica representa um espaço fundamental para esse processo, por meio do acolhimento,  escuta, afeto e respeito. No setting analítico, o sujeito encontra a possibilidade de elaborar experiências, reconhecer suas fragilidades e aprender a estabelecer um diálogo mais respeitoso consigo mesmo e com os outros. 


hooks fala das feridas que carregamos ao longo da vida, oriundas da nossa infância, família e história, e entende que, quando acolhemos essas dores de coração aberto, deixamos de resistir e passamos a entender o que aquilo significa, como aquilo nos afeta, e temos a possibilidade de agir sobre isso, de transformar tais circunstâncias. Tal processo ocorre no ambiente terapêutico, onde podemos nos abrir sem medo ou julgamentos, expressar tudo aquilo que nos machuca, acolher e compreender as nossas feridas e frustrações, o que nos permite elaborar,  ressignificar e transformar essas experiências e perspectivas.


Sendo assim, a autoestima não é um ponto de chegada individual, um prêmio ou posse, mas um processo dinâmico que envolve acolher a própria história, compreender os entrelaçamentos entre si e o mundo e permitir-se existir de forma afetuosa e respeitosa, consigo mesmo e com o outro. Como bell hooks nos ensina, amar a si mesmo é um compromisso contínuo, que exige coragem, dedicação e construção diária. Talvez o primeiro passo para o amor próprio seja se perguntar: como tenho me tratado? Com que olhar me vejo? Olho para mim com a mesma generosidade e carinho que tenho pelos outros? As respostas podem revelar muito sobre o caminho que temos a percorrer nessa jornada.

 
 
 

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